Israel/Irã, desta vez, sem "telefone vermelho"
Ataque de Israel contra o Irã abre a possibilidade para cenários complexos e explosivos. Porém, não se pode descartar uma resolução mais "simples" da crise.
Na metade dos anos 1960, quandos os Estados Unidos e a União Soviética evitaram por muito pouco uma guerra nuclear, as duas super-potências decidiram estabelecer entre elas uma linha de comunicação direta. Nascia assim o famoso “telefone vermelho”.
O telefone em questão não era vermelho e nem era um telefone de verdade. Tratava-se de uma máquina de escrever conectada a uma linha telefônica, mas como os americanos gostam de um drama e de uma boa história, chamaram de “telefone vermelho”. E devo admitir que fica melhor para o cinema. Toda a história pode ser lida aqui.
O essencial, contudo, era a ideia. Os líderes dos dois países entendiam a gravidade do momento e a importância de evitar uma guerra nuclear. Podemos dizer também que suas ações eram orientadas por um certo bom senso. Uma característica que faz muita falta no mundo de hoje.
De fato, quem pode dizer que Benjamin Netanyahu e Donald Trump sejam homens guiados pelo bom senso?
O novo caos mundial
Como se já não bastasse o genocídio em Gaza, o Estado de Israel decidiu atacar o Irã. Múltiplos ataques de mísseis contra alvos específicos foram registrados na noite de quinta-feira 12 de junho. Imagens de televisões locais ou de telefones de cidadãos iranianos registraram o momento exato dos impactos e das explosões. Em menos de uma hora tanto o governo de Israel quanto as autoridades iranianas confirmavam a morte do chefe de Estado maior da Guarda Repúblicana do Irã. Outras mortes foram registradas, porém nenhuma mais simbólica e impactante quanto essa.
Desta vez, estamos claramente diante de uma conflito armado oficialmente declarado entre dois Estados soberanos. Uma situação que se temia, mas que muitos, como é meu caso, acreditavam impossível de acontecer dadas as atuais circunstâncias (China, Rússia, etc.). Isso não quer dizer que eu não sabia que mudanças importantes estavam acontecendo na região.
Lula na França
Antes ir mais longe, gostaria de chamar a atenção para uma fala de Lula enquanto estava na França. Claro, que a visita do presidente na França não tem nada a ver como o ataque de Israel. Mas o presidente deu uma entrevista à televisão francesa LCI e deixou ali algumas ideias que agora me parecem tão distantes do desenvolvimento da atualidade.
Um dos momentos fortes da excelente entrevista do Lula foi quando afirmou veementemente que “Donald Trump não tinha os meios de acabar com a emergência de um mundo multipolar”. Antes de continuar com a afirmação, também acertada, de que “ninguém tinha eleito Trump como presidente do mundo.” E concluia seu raciocínio recomendando que “a comunidade internacional deveria dar mais força política para a ONU de modo a criar condições reais de negociação de paz tanto na Ucrânia quanto as condições de um cessar-fogo em Gaza.” Des voeux pieux, como se diz na França.
➡️ Lula propõe, mas Netanyahu dispõe. Como tudo isso é distante agora…
Recap: os Acordos de Abraão
No início do ano, escrevi um texto, do meu ponto de vista, muito importante, no qual imagino como seria o novo governo de Donald Trump. Nesse texto, analiso diferentes cenários nos Estados Unidos e no mundo. Nele, afirmei, por exemplo, que Donald Trump era o maior aliado americano para Israel desde pelo menos 1967. Lembrando que em 2020, Trump patrocinou os Acordos de Abraão que instauravam relações pacíficas entre Israel e diferentes países do Oriente médio. A estratégia visava claramente isolar tanto Gaza quanto o Irã.
Uma das consequências diretas desses acordos - e espero que no futuro, historiadores percebam as coisas exatamente como elas são - é que Israel tinha o caminho livre para promover o massacre, a deportação e o genocídio do povo palestino. Ao mesmo tempo, enfraquecia o Irã na indiferença total dos países da região. De fato, países como a Arábia Saudita se beneficiariam de um contexto geopolítico com o Irã enfraquecido.
Muita coisa ainda pode acontecer na região, entretanto, é possível neste momento, avaliar a situação geral da região e imaginar possibilidades. São complexas, podem ser explosivas ou, curiosamente, podem até ter uma resolução simples.
➡️ O que sabemos e o que não sabemos até agora?
Ataque preemptivo, ataque preventivo ou vitimismo?
Em primeiro lugar, Israel definiu seu ataque como um “ataque preemptivo”. O que isso significa? Significa um ataque que visa antecipar ou impedir a realização de uma ameaça. O ministro da defesa israelense, Israel Katz afirmou que “o país tinha efetuado ataques preventivos e que a população devia se preparar para um ataque de Irã”. Como podem ver, não faz sentido. E se não conseguem ver, eu explico.
➡️ Logicamente, não faz sentido efetuar um ataque para antecipar e prevenir uma ameaça e imediatamente anunciar que essa ameaça vai se concretizar. Nesse caso, o ataque não visava de maneira alguma impedir qualquer coisa. A prevenção não era o objetivo. Essa retórica utilizada por Israel não é nada mais que uma tática de comunicação para se vitimizar diante da opinião mundial.
Trump e Rubio não se entendem
A outra questão que se coloca aqui é saber se os Estados Unidos sabiam da operação e/ou se a autorizaram e/ou patrocinaram. Na minha opiniã, a resposta é sim. Basicamente, é impossível pensar que Israel se engajaria numa guerra com Irã (que é aliado da Rússia e da China) sem a permissão dos Estados Unidos.
Num primeiro momento, o Secretário de estados dos Estados Unidos, Marco Rubio, tentou negar a participação do país, mas logo depois, Donald Trump cortou a grama bem de baixo de seus pés e afirmou que sabia.
➡️ De um lado, fazia sentido Rubio tentar negar a participação americana já que atualmente, guerras são altamente impopulares nos Estados Unidos, até mesmo entre o eleitorado republicano e os trumpistas mais radicais. O país acaba de sair de duas décadas de guerra no Iraque e no Afeganistão. Porém, deixar circular a ideia de que Netanyahu redicularizou Trump poderia ter um custo maior para a popularidade do “locatário” da Casa Branca.
Escalada regional ou global?
Obviamente, há um risco de que essa guerra entre Israel e Irã se amplifique e envolva outros países da região ou aliados ocidentais. Sabemos que quando, no ano passado, Irã lançou alguns mísseis em direção a Israel, a Jordánia os interceptou antes mesmos que atravessassem seu espaço aéreo. Sabemos que hoje, tanto a Inglaterra quanto a Jordânia interceptaram drones iranianos que se dirigiam até Israel.
Uma escalada para uma guerra regional é possível. A guerra global, talvez. Sempre podemos ter fantasias (ou paranoia sobre uma guerra mundial), porém há uma resolução mais “simples” que também está no horizonte.
Um conflito interno no Irã pode ser a aposta de Netanyahu
Para entender esse outro cenário mais simples, é preciso voltar alguns meses atrás e observar com atenção os recentes desenvolvimentos geopolíticos na região e compreender como as forças estão se reorganizando ali.
🔴 Em primeiro lugar, não podemos esquecer que em 2024 Israel aplicou uma derrota histórica ao Hezbollah com o famoso episódio dos pagers. Uma ataque coordenado que indicava o enfraquecimento do Irã, ou pelo menos, um distanciamento estratégico com a organização militar.
🔴 Além disso, especialistas já avisavam que o Mossad tinha conseguido se infiltrar na sociedade iraniana de modo que podiam causar sérios danos ao país em caso de um ataque. Fontes bem conhecedora do país também aponta para um certo cansaço da sociedade para com o regime religioso do Aiatolá Khamenei.
🔴 Um dos sinais das mudanças que estão acontecendo no país é justamente que a consequência direta da morte do presidente Ebrahim Raisi foi a eleição de um reformista cuja ambição é tirar o país do isolamento. Há quem diga que é precisamente essa postura que afastou o país do Hezbollah.
De qualquer forma, o cenário no país seria de um conflito latente entre as alas mais conservadoras (militares e religiosos); e as alas reformistas lideradas pelo novo presidente Masoud Pezeshkian.
➡️ Portanto, o que não podemos descartar é que essa guerra iniciada por Israel não provoque uma instabilidade política no Irã. A qual resultaria não numa mudança de regime como na Síria, mas numa mudança no tipo de liderança e na direção da política internacional do país, com os civis e os reformistas ganhando mais protagonismo e poder político. Eles certamente contariam com o apoio da juventude iraniana.
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