2025, último baile triunfal de Donald Trump
Com maioria no Congresso e a possibilidade de indicar mais dois juizes da Suprema Corte, Donald Trump pode transformar os Estados Unidos social e culturalmente quanto Margaret Thatcher, a Inglaterra.
Feliz ano novo. Feliz 2025. A educação exige que a gente comece qualquer conversa nos próximos vinte dias por essas fórmulas um pouco vazias e ao mesmo tempo carregadas de esperança. Porque a esperança é o que nos permite continuar. Mas 2025, do ponto de vista da política e economia internacional pode ser um ano realmente desafiador.
O apóstolo do novo Macarthismo
Todos já sabem que em janeiro, Donald Trump iniciará seu segundo mandato. E já li por aí que Trump é o presidente americano mais poderoso da era moderna. Digamos, desde Franklin D. Roosevelt. Acho que não é um completo exagero afirmar isso. O novo presidente americano entrará na Casa Branca para seu último mandato com o apoio da maioria do Congresso americano e a possibilidade (que já é certeza na verdade) de indicar e nomear mais um juiz da Suprema Corte que provavelmente será um extremista, fundamentalista protestante anti-aborto e anti-qualquer-coisa-com-cheiro-de-esquerda.
O impacto do novo mandato de Donald Trump pode ser tão colossal que há uma real possibilidade dessa era ficar marcada como a “Era Trump” considerando as transformações sociais e culturais que ele é capaz de impor à sociedade americana. Quem já se interessou um pouco além do normal à história recente da Inglaterra sabe que Margaret Thatcher mudou o país não apenas economicamente; ela conseguiu impor uma transformação social mais profunda, cultural; ela redefiniu a visão de mundo da maioria dos ingleses. A série The Crown aborda esse aspecto da história inglesa e pode ser uma boa introdução para quem quiser compreender mais essa dimensão cultural da “Era Thatcher”. É desse tipo de transformação que estamos falando se tratando do último mandato de Trump. Na mira do novo presidente estão especialmente a comunidade LGBTQ+, a mídia americana (se bem que a maioria já está cooptada e declarou “neutralidade” durante à campanha, o que é o mesmo que declarar fidelidade a Trump) e as mulheres; essa última perseguição traduzindo-se em uma legislação mais dura contra o direito ao aborto.
Trump também deve iniciar uma campanha de perseguição contra os antigos gestores da crise da Covid-19. Será uma oportunidade para impor suas ideias antivacinas e suas teses mais estúpidas. Não é a toa que ele nomeou o Robert F. Kennedy Jr. para chefia a Saúde do país.
Esses são apenas alguns aspectos da política interna de Donald Trump para os próximos anos.
E quanto à nós aqui? Como isso nos afeta? Quando digo nós, me refiro não só aos brasileiros, mas praticamente ao resto do mundo. É aí que a situação pode ser até pior. Trump retorna num momento em que o mundo ocidental vive uma de suas maiores crises: ele enfrenta a descrença em seus valores e a perda de sua credibilidade diante do resto do mundo, principalmente do Sul Global.
Eu costumo dizer que “estamos vivendo já a decadência do Império Americano. Só que um Império pode levar um século antes de cair completamente.” E vocês devem saber que quando um Império cai, ele costuma morder e morder forte. Vou listar brevemente os temas mais quentes que devem ocupar os primeiros dois anos do mandato de Trump:
A guerra econômica com a China
Não devemos esperar menos que o aumento da tensão entre os Estados Unidos e a China. Os dois países devem intensificar seu enfrentamento no campo da tecnologia, principalmente nas áreas da Inteligência Artificial (I.A.), o acesso às microtecnologias, o que para meu grande medo deve colocar o Congo no olho do furacão de novo, já que é um dos principais produtores mundiais dos minerais indispensáveis a essa guerra tecnológica. O enfrentamente entre os dois países deve se aplicar também no âmbito do comércio internacional. Trump está vivendo uma fase no mínimo curiosa se olharmos para sua psicologia. O presidente americano não para de ameaçar seus vizinhos Canadá e México de aumentar as taxas sobre seus produtores em solo americano. Considerando a posição do Canadá e sua completa dependência ao mercado americano, não seria absolutamente descabido afirmar que Trump está declarando guerra ao país vizinho com essas ameaças. Mas quantas delas são sérias e quantas não passam de um blefe? Eu tendo a acreditar que Trump está falando sério e que essas ameaças, principalmente contra o Canadá, devem ser levadas à sério. O que se sabe até agora é que Trump deseja que Canadá e México adotem as mesmas taxas sobre os produtos chineses que os Estados Unidos irão aplicar eventualmente; além de controlar o fluxo migratário proveniente dos países vizinhos (México é particularmente visado por essa segunda exigência). Essa série de exigências permitem dizer que a relação entre Estados Unidos e Canadá deve ser mais do que animada nos próximos anos. Não se deve menosprezar a capacidade energética do Canadá avaliada pelo governo americano como estratégica (e quase vital) num cenário internacional onde a China se ergue como um rival desafiador e onde o Oriente Médio mergulha cada vez mais no abismo das guerras genocidas de Netanyahu, com as consequências que elas podem ter sobre o preço do petróleo, principalmente se o Irã é atacado.
Um poderoso aliado para Netanyahu?
Do meu ponto de vista, Donald Trump conseguiu durante seu primeiro mandato o melhor acordo jamais feito a favor do governo de Israel desde sua criação. Os “Acordos de Abraão” constituem um ponto importante para compreender a posição dos diferentes atores na região diante da ofensiva de Israel e em Gaza, no Líbano e mais recentemente na Síria. Não se pode compreender o isolamento de Gaza e a postura dos países árabes sem tomar em conta o impacto e as consequências dos “Acordos de Abraão”. Podem ver na galeria de imagens a seguir quais foram as implicações desses acordos na região e como, de fato, eles constituem a grande operação diplomática do primeiro mandato de Donald Trump ao ponto que prepararam o terreno para a impunidade da qual Benjamin Netanyahu se beneficia alguns anos depois.





Portanto, Benjamin Netanyahu entra no ano de 2025 em posição de força diante da opinião púbica de seu país e diante dos outros países do Oriente Médio, tendo demonstrado sua superioridade militar e a capacidade de ação em grande escala dos serviços de inteligência de Israel, sobretudo, depois do caso dos pagers e do assassinatos do líder histórico do Hezbollah e, posteriormente, a eliminação dos líderes militares do Hamas. A chegada de Trump na Casa Branca deve reforçar ainda mais a posição de Netanyahu.
O “bully ball” de Trump contra os Brics
Este é outro aspecto que me interessa muito observar durante o mandato de Donald Trump. Qual será sua relação com os países dos Brics, e mais importante, como ele pretende responder às iniciativas que os países do novo bloco econômicos estão tomando nos últimos meses. A situação dos Brics não é das mais confortáveis, ao contrário do que muitos pensam e apesar dos discursos que costumamos encontrar nas redes sociais; os quais muitos vezes apresentam um tom triunfalista.
Já se sabe que Trump anda muito irritado com os Brics. Vocês já devem ter imaginado. Ele os ameaçou abertamente em suas redes sociais. Como sempre. O presidente eleito americano é muito vocal. Eu gosto muito do basquete e há uma expressão no esporte que me parece se aplicar bem ao tipo de comunicação que Trump utiliza: o bully ball. Basicamente, a expressão se refere à atitude intimidatória que pode chegar a ser físico por parte de um jogador, em geral, veterano, contra um jogador mais jovem. Ou simplesmente a intimidação e dominação física de um jogador muito mais alto e pesado frente a outro de composição física inferior. Pois então, Trump gosta de usar essa tática. É o que ele vem fazendo com o Canadá e o México, e é o que ele vem fazendo com suas ameaças aos Brics.
A questão mais sensível que os Brics vão colocar no centro dos debates geopolíticos de 2025 será a nova moeda que parece ser o grande objetivos dos países emergentes. Apesar das múltiplas falas de personalidades mais ou menos importantes no contexto dos Brics desmentindo que a nova moeda seja uma ameaça ao dólar, símbolo da dominação global do Império Americano, sabemos que não é bem assim que os americanos vão entender a mensagem.
Não devemos nos enganar a nós mesmos. Os americanos interpretam essa nova moeda como um ataque direto contra eles. E devemos seriamente refletir sobre as consquências dessa interpretação americana. Os Brics, sabemos, é um conjunto de países com forças muito desiguais embora eles tenham um processo decisório que simula relativamente bem um quadra democrático, muito mais democrático que o FMI, a OMC ou o Banco Mundial, totalmente subservientes às vontades dos Estados Unidos.
Além disso, nesse grande bloco que pretendem ser os Brics, não podemos esquecer que apenas dois países, China e Rússia, são verdadeiramente potências militares e isso tem sua importância. Pessoalmente, sou um adepto da “Doutrina De Gaulle” que preconiza o desenvolvimento de um programa nuclear militar como garantia da independência de um país. Acho que desde a queda do Muro de Berlim, tivemos demonstrações suficientes de que um mundo unipolar não é seguro para ninguém. Pelo menos não é mais seguro que um mundo bipolar. E certamente não será mais seguro que um mundo multipolar.
O que é o genocídio em Gaza senão o símbolo maior do fracasso e da injustiça de um mundo unipolar?